domingo, 24 de outubro de 2010

Longe do Meu Coração – Júlio Magalhães


Portugal é um país de emigrantes. Por diversas razões, são milhões aqueles que tentaram a sorte no estrangeiro e, pese embora tenha havido uma diminuição da emigração durante os anos 80 e 90 do séc. XX, o certo é que se continua a verificar, todos os anos, a saída de portugueses para tentar a sorte noutras paragens.

Os anos 50 e 60 assistem a um surto emigratório que abala a sociedade portuguesa. No espaço de 10 anos, mais de um milhão de portugueses emigram só para França, porém a debandada atinge países como o Luxemburgo, Suíça, Alemanha, Bélgica, Holanda e um pouco pelo resto do planeta, EUA, Brasil, Argentina, Venezuela, Canadá, Austrália, sem falar que para o continente africano muitos continuavam a tentar a sorte.

Mas de facto França foi o destino de eleição, o el-dorado, talvez também por ser o mais atingível.

Avançando no meio da escuridão, as pessoas passavam a fronteira de Vilar Formoso altamente vigiada pela polícia portuguesa e espanhola. E mesmo aqueles que tinham a sorte de chegar a França, esperava-os a travessia, a pé, dos Pirinéus onde muitos soçobravam.

Em Portugal, Salazar governava com mão de ferro e a PIDE castigava exemplarmente aqueles que eram apanhados a tentar sair do país. Um país que matava à fome o seu povo e que não o deixava ir à procura de outras oportunidades. A esses, aqueles que tentavam, designava-os de traidores.

É essa temática que aborda Júlio Magalhães em “Longe do Meu Coração”

O protagonista principal é Joaquim Narciso. Novembro de 1963, Aldeia de Memória, concelho de Leiria.

Com 19 anos, Joaquim vive fascinado pelas histórias que ouve contar de França e pelas cartas que a família recebe do irmão do seu pai, emigrado em França há alguns anos, e que fala em oportunidades, trabalho com fartura e onde se ganha muito bem, logo, totalmente o oposto do que se passava em Portugal. E é neste contexto que acompanhado do seu amigo de infância Albano Silva, decidem dar o “salto”.

E é terrível o que eles passam para chegar a França.

Fome, sede e frio, tratados como animais e obriga a andar fugidos, lá conseguem chegar a Paris e à localidade onde vivem os tios e quase todos os portugueses emigrados, uma zona chamada Bidonville e autodenominada “Capital portuguesa em França”.

A desilusão é enorme por constatarem que o que se ouvia em Portugal não correspondia à realidade. Porém Joaquim é um homem de carácter, honesto, sério e trabalhador e é na força do trabalho que irá vencer na vida.

Não posso dizer que adorei o livro e que me preencheu as medidas.

A escrita é muito simples, não exigindo qualquer esforço adicional para compreendermos o livro, no entanto em várias fases achei os diálogos e até alguns acontecimentos ingénuos a roçar até a leviandade. Algo que também não gostei foram algumas gralhas com que me foi deparando ao longo do romance. Num livro tão pequeno não se compreende tais gralhas, desconhecendo se as mesmas se devem ao autor ou a quem fez a revisão, mas que lá estão, estão.

Não gostei também da forma apressada como o autor construiu o livro.

Bem sei que isso é uma opção do escritor e que, e é um facto, a história é secundária face à realidade da emigração nesses anos, no entanto se assim é acaba por cair numa incoerência, pois parece-me que como tema havia muita matéria para desenvolver e que as suas pouco mais de 200 páginas acabam por dar uma imagem muito pálida de todas as dificuldades por que passavam as pessoas. Em relação à história, o autor centra-se demasiado na figura de Joaquim, existindo personagens ao longo do romance que são abandonadas ou que se fazem breves referências aqui e ali, como e por exemplo, o caso mais gritante é o do tio de Joaquim. Pessoa importante no salto de Joaquim e que depois pouco se vai sabendo. Honestamente penso que tanto a temática como a história mereciam maior desenvolvimento.

No entanto em tudo o resto o livro é muito bom e é realmente uma homenagem a todos os portugueses que tiveram a coragem de emigrar naquelas condições.

Uns venceram, outros, a maioria, não

No entanto tentaram. Não ficaram de braço caídos, reagiram a um país e um regime que nada lhes dava e tudo lhes exigia, e só por isso, são dignos de louvor e este livro fá-lo merecidamente.

Nota final para a carta que termina o livro.

Altamente emocional, descreve todo o livro e o sentimento de milhões de pessoas que tiveram e têm de sair do seu país que não lhes dá as melhores condições para viver.

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